Não falarei especificamente do jogo de ontem. Não vou descrever a atuação dos melhores, dos piores, apontar culpados, escolher heróis, nem tampouco fazer cálculos e estudar a tabela. Quero apenas falar um pouco sobre a emoção e o sentimento que este esporte chamado futebol desperta em muitos fanáticos, como eu.
Sou uma vascaína no meio de uma família tricolor. Tenho um pai apaixonado pelo Fluminense e uma irmã que seguiu seus passos. Cresci indo ao Maracanã e ouvindo jogos em radinhos de pilha, sempre ao lado do meu pai. Todo aquele ritual semanal, a expectativa pelos grandes jogos, os gols, as viradas, a festa das torcidas, me fizeram crescer como uma intensa admiradora do esporte. E com o tempo, por algum motivo que não sei até hoje apontar, talvez subjetivo demais para que eu consiga entender algum dia, eu, mesmo rodeada de tricolores, escolhi ser vascaína. Ou melhor: escolhi ser uma apaixonada pelo Clube de Regatas Vasco da Gama.
Não tive influência de nada, nem ninguém. Cultivei meu amor pelo clube sozinha e, ao contrário do que se poderia imaginar, ele não só resistiu como cresceu, mesmo sob os olhares tortos e desconfiados daqueles que me viram nascer em berço verde e grená. Fui uma vascaína solitária, daquelas sem um tio para me levar a São Januário, ou amigo próximo pra compartilhar a torcida. E quem disse que isso seria empecilho para que eu fosse cada vez mais apaixonada pelo Vasco?
Tenho o hábito de ir sozinha aos jogos do meu time. Não só porque sou a única que carrega a cruz de malta no peito na família, mas também porque, com o tempo, me descobri uma torcedora mais concentrada, que leva tão a sério um jogo que é preciso abstrair de tudo e todos para conseguir lidar com toda a carga de emoção que uma partida envolve. Não que eu xingue e desconte tudo em quem estiver do meu lado, mas às vezes nossa paixão é tão grande que muita gente não consegue entender por que diabos você está quase enfartando, já que aquilo é “apenas um jogo de futebol”. Não é algo que dê para explicar. Já tentei, não dá.
Na quarta, véspera do jogo contra o Atlético Paranaense, antes de dormir abri em meu computador um vídeo sobre a famosa Virada do Século, o jogo em que o Vasco virou um 3 a 0 para inacreditáveis 4 a 3. Naquele 20 de dezembro de 2000, optei por não ir a minha festa de formatura do colégio para ver, pela televisão, meu time jogar mais uma final. Talvez uma das minhas decisões mais sábias como torcedora. Mas… o que mudou de lá pra cá? A mesma emoção que senti ao ver aquela bola de Romário estufar a rede palmeirense aos 48 minutos do segundo tempo, senti quando revi as imagens do jogo pela internet, e continuo sentindo até hoje quando vejo o Vasco em campo. Nas vitórias difíceis ou fáceis, nas sofridas derrotas ou nos empates mais sem graça; campeão com gols históricos, ou ameaçado pelo rebaixamento, a torcida e a devoção permanecem.
O empate de ontem não nos rebaixou, mas deixou um sentimento ruim de que é preciso realmente se preparar para o pior. Se a culpada é a antiga diretoria, o elenco, o técnico, nada disso importa no momento. Agora, é preciso apenas honrar a camisa, e acreditar até onde existir esperança. Pois a história do Vasco mostra exatamente isso, desde a luta pelos negros no futebol, até a vitória histórica na Copa Mercosul. Somos o time da virada e do amor, como nós mesmos cantamos. E, se ainda assim, o objetivo não for alcançado e o que mais tememos acontecer, o que mudará?
Não sei, talvez depois que tudo isso passar, pro bem ou pro pior, já não importe tanto. Porque, independente de qualquer coisa, de vitórias ou derrotas, de alegrias ou gozações, de radinhos de pilha ou vídeos na internet, uma coisa é certa: a eterna emoção de ver a cruz de malta entrar em campo será sempre a mesma.
Carol Vaz é diretora de arte, carioca e fanática pelo clube de São Januário. Escreve gentilmente no FLANEWS a convite da administração.